quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Essa embriaguez..

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.

Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles.
Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.
Como eles admiravam estarem juntos!
Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.”

(Clarice Lispector)

domingo, 18 de novembro de 2012

A trégua

Ontem terminei de ler o romance "A trégua" de Mario Benedetti, fiquei triste com o final, porque não esperava aquilo... acho que era exatamente essa a intenção do autor, mas me deixou triste!
Diante disso ficou apenas a lição... Às vezes a gente demora tanto para tomar certas atitudes, tanto para tomar certas decisões e quando decidimos tomá-las é tarde demais e não há mais volta.
A gente se prende demais em regras impostas pela sociedade ou paradigmas tão enraizados em nossa cabeça que deixamos a felicidade em segundo plano por não nos permitir certas atitudes.
A trégua quer dizer, uma pausa daquela vida regrada de dias tão iguais e sem riscos para viver uma felicidade em sua total plenitude. No livro ele espera apenas pela sua aposentadoria em uma vida sem acontecimentos, mas ela chega para dar essa trégua tão necessária para que os olhos cansados das decepções mundanas pudessem se encher de brilho outra vez.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Dores

E eu que costumava ter tantos bons conselhos guardados no bolso, me vejo agora sem nenhum para mim mesma, como se estivesse perdida em um labirinto ou andando em círculos que não me levarão a lugar algum. Queria uma tempestade providencial para levar embora certas dores que sentaram-se ao meu lado e teimam em permanecer ali inertes, latejando como um machucado superficial. Queria um furacão intenso para levar embora, coisas, pessoas, paradigmas e medos tolos.

As noites tem estado um pouco mais assustadoras que o de costume, não me assustam mais os monstros que me assustavam quando criança, mas sim aqueles que podem aparecer quando a noite termina e o dia se inicia, trazendo ao amanhecer certas dores.